O oponente de Rui Barbosa na disputa entre o sr. Werneck e o Estado de Minas Gerais foi o advogado Rodrigo Octávio. Embora os dois homens do Direito se conhecessem desde tempos remotos, e tivessem nisso razões para se aproximarem na vida, o que aconteceu foi exatamente o contrário, a ponto de Rodrigo Octávio lastimar o fato de o imortal Rui ter partido para a morada eterna zangado com ele.
Em suas memórias, intitulada de "Minhas memórias dos outros", Rodrigo Octávio conta que:
"Rui descendia da antiga família portuguesa dos Barbosa de Oliveira que se estabeleceu na Baía, no XVIII século; dessa família, Albino Barbosa de Oliveira, tio de seu pai, foi para São Paulo, e se estabeleceu em Campinas, onde constituiu família, que entreteve com a minha, desde meu nascimento, relações da maior cordialidade".
"Além dessas relações de família, Ruy Barbosa era comprovinciano, colega e amigo de meu Pai (...) sua senhora, dama de alta distinção, entretinha relações de visita com minha Mãe ; tudo assim parecia tendente a favorecer uma aproximação que, de minha parte, estimularia uma fervorosa admiração por seu talento e ação".
Mas o fato é que desde o princípio da carreira de Rodrigo Octávio os contatos com Rui Barbosa resultaram apenas em azedumes.
"A primeira vez que vi Ruy Barbosa e com ele falei, foi em 1882, logo após a morte de meu Pai. Eu era um menino."
"Ele foi ver os livros que meu pai deixara em suas modestas estantes, pensando adquirir alguns, notadamente o grande comentário de Demolombe ao Code Napoleon."
"Minha mãe preferiu, porém conservar esses livros para o filho, que também ia ser advogado, e os 30 volumes do Demolombe ainda se acham em minhas estantes."
Esse primeiro "encontro" e "desencontro" dava início a um acúmulo de mágoas que transbordariam, finalmente, na "Questão Lambary". No processo, como já dito acima, o Supremo Tribunal Federal, em acórdão unânime, deu ganho de causa para o sr. Werneck. O julgado, entretanto, repercutiu estrondosamente no seio do governo mineiro. Os jornais registravam os termos violentos com que se manifestara o secretário das finanças de Minas, que, aliás, era cunhado do presidente da República.
Não deu outra. Inconformado, Rui Barbosa opôs embargos ao julgado. Com grande esforço, Rodrigo Octávio apresentou, dentro do prazo legal - cinco dias -, sua impugnação em folhas datilografadas, compondo um total de 130 páginas. Rui Barbosa, todavia, não obteve o mesmo êxito e pediu que o prazo fosse estendido. Quanto ao assunto, confessa Rodrigo Octávio:
"De minha parte eu teria pra com meu grande adversário toda a deferência, mas não sabia se o dono da causa, o Dr. Werneck, tão maltratado pelo Governo Mineiro, estaria disposto a concordar em que se desse ao formidável patrono do Estado todo o tempo que ele quisesse para lhe dar pancada e aprimorar a sova, tanto mais quando sabia que para seu patrono se havia recomendado o maior rigor."
A resposta do sr. Werneck foi negativa e Rui Barbosa, por isso, declinou o patrocínio da causa. O ministro Pedro Lessa, relator do caso, tentando acalmar os ânimos, informou Rodrigo Octávio que o memorável Conselheiro Rui estava contrariado com o ocorrido, e perguntou, salomonicamente, se a questão não podia ganhar uma resolução. Diante da interseção do ministro, Rodrigo Octávio procurou novamente seu cliente, o sr. Werneck. Fazendo as ponderações corretas, desta vez tudo se arranjou.
E Rui retomou a causa, recebendo os autos com o tempo que fosse necessário para a realização de seu trabalho (coisas do provincianismo da época). Mas o fato é que tudo isso lhe causou certa irritação e o agastamento com Rodrigo Octávio ficou evidente, sendo notícia fácil pela rua do Ouvidor. Como se não bastasse, a coisa piorou ainda mais quando a causa foi novamente apresentada e submetida a julgamento. Apesar dos embargos serem apresentados num volume de admirável e erudita argumentação, eles foram unanimemente desprezados, confirmando o julgado anterior.
Sem mais possibilidade de recurso, era mister intimar o Estado da decisão do Tribunal. E o que era pra ser um expediente normal de processo transformou-se num verdadeiro mal entendido. Pelo menos é o que diz Rodrigo Octávio. Com efeito, ele conta que havia feito o requerimento e entregado a um oficial de Justiça, com as melhores recomendações. Mas "o bruto do oficial abordou Ruy Barbosa à porta de seu dileto cinema e, ali mesmo, em plena Avenida, chimpou-lhe a intimação."
"E Ruy nunca mais me perdoou do que ele acreditava ter sido obra minha."
Esta narrativa foi feita por Rodrigo Octávio quando chegava aos 70 anos de idade, em 1936. Revelou-nos, assim, que essas coisas estavam, mais do que na memória, em seu coração. Para não levá-las eternamente consigo, resolveu deixar essas gravadas imorredouramente. Sorvemo-las, prazerosamente.
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