Muito discutível vem sendo a questão da possibilidade do MP de forma direta participar das investigações criminais. Principalmente no viés do sistema acusatório, que tanto presa pela dialética processual com base em um sujeito espectador que meramente aguarda que lhe sejam levadas por acusação e defesa de forma contraposta e paritária, as questões por estes entendidas como relevantes para convencer o julgador de que seus argumentos são os que condizem com a realidade empírica.
Em um sistema processual penal verdadeiramente acusatório, toda prova produzida deve passar pelo crivo do contraditório, sendo obrigatório para que seja válida que a parte contrária possa analisá-la e rebatê-la de acordo com suas convicções e interesses. Mesmo no inquérito policial no qual o caráter inquisitorial prevalece, cabe ao defensor do indiciado apreciar os autos e todos os elementos probatórios produzidos, sendo dever de o defensor repudiar as provas que entender ilícitas em si mesmas, ou as que tenham origem duvidosa. Neste sentido, a súmula vinculante n° 14 do STF:
É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa.
Mas a competência do MP em poder ou não participar das atividades investigativas, não pode ser analisada apenas como atribuição institucional. A discussão sobre a validade nesse procedimento não paira por si só na natureza pura do ato investigatório e sim como foi praticado, se respeitou os ditames processuais legais, e principalmente as garantias fundamentais trazidas pela CR.
Desta feita, desde que seguido a risca o ritual do contraditório e que a investigação seja pela polícia judiciária, seja pelo MP, se paute na legalidade na produção das provas, não interessa por qual dos dois órgãos citados seja feita para que tenha validade jurídica, não havendo que se falar em desequilíbrio no sistema acusatório.
Neste sentido, cumpre salientar que o art. 129 da CR/88 não explicitou ser função do MP proceder com a investigação criminal diretamente, mas em seu inciso IX o mesmo art. 129 da CR/88 aduz que cabe ao MP exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade, sendo que como instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado é finalidade do MP a defesa da ordem jurídica, o que passa pelo combate à criminalidade, mas como já frisado, desde que respeitados preceitos garantistas constitucionais.
Ademais, quando o próprio art. 129 da CR/88, em seu inciso I, atribui ao MP a função institucional de promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei, nos ditames da teoria dos poderes implícitos estaria concedendo todos os meios para que o parquet pudesse atingir seu objetivo fim. Uma vez que o MP é o titular da ação penal pública, a ele devem ser garantidos os meios aptos para firmar sua convicção, habilitando-o a propor ou não eventual ação penal.
Todavia, o que mais inviabiliza a função investigativa direta pelo MP não diz respeito ao campo teórico da validade, ensejando eventual desequilíbrio no sistema acusatório como já visto, e sim tem relação com o campo prático da ausência de técnica investigativa por parte do parquet, o que fatalmente poderia comprometer até mesmo a qualidade das investigações, já que os membros do MP não passam por treinamentos árduos e específicos voltados à investigação criminal, como acontece com a polícia judiciária.
Por mais que os membros do MP tenham um arcabouço de conhecimentos jurídicos, inegavelmente lhe ausentam as técnicas específicas e inerentes as investigações criminais, que a cada dia se tornam mais peculiares e exigem mais de quem as exerce, seja por imperativos legais ou por exigência pratica imposta pelo aperfeiçoamento de verdadeiros profissionais do crime.
Destarte, para que o MP possa de maneira eficaz exercer de forma direta a atividade investigativa criminal, sem comprometer a eficiência de tal procedimento, seus membros teriam que se submeter a rigorosos treinamentos, assim como se submetem as polícias civis e federais, o que parece ser demasiadamente oneroso ao Estado, já que teria que custear o referido preparo não só para a polícia, como para outra instituição organizacional, que por sinal já é repleta de atribuições impostas pela CR/88 e pela prática jurídica.
Desta forma, o MP acabaria se sobrecarregando ainda mais, sendo que dentro da estrutura governamental já há quem execute a atribuição investigativa e possua as qualificações técnicas para isso.
Em síntese, não vejo que haja desrespeito ao sistema acusatório caso o MP exerça a função direta de investigação criminal, desde que seguidos preceitos fundamentais como o contraditório e a proibição de provas obtidas por meios ilícitos.
Em que pese tal raciocínio, entendo que o obste existente para esta atribuição do parquet figure na esfera prática, seja pela possível sobrecarga que seria imposta ao MP, seja pela atual ausência de preparo técnico deste para tal atividade, ou pelo demasiado custo ao erário em qualificá-lo, quando dentro da própria estrutura estatal já exista instituição incumbida de manusear a investigação criminal.
André Loredo
OAB/MG 117.459
OAB/MG 117.459
Bom, muito bom!!!
ResponderExcluirEra exatamente o que eu estava necessitando para fazer um trabalho na faculdade.