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quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Leia a entrevista concedida ao Estadão:

*Fonte: Revista Consultor Jurídico.
Se o senhor tivesse que tomar duas decisões para melhorar a Justiça, quais seriam?
Não existe uma coisa só que, se fosse resolvida, solucionaria todo o problema do Judiciário. Há vários pontos de estrangulamento. A celeridade é importante, mas não a levo às últimas consequências como a coisa mais importante.
Por quê?
Primeiro porque o problema do retardamento dos processos não é uma coisa tipicamente brasileira. A Justiça tem certa ritualidade que implica tempo. O que não pode haver são esses casos absurdos de processos que passam de gerações. Mas isso envolve outro problema que é objeto de grande preocupação nossa e queremos celebrar um novo pacto republicano para resolvê-lo.
Que problema?
É o problema dos graus de instâncias recursais. O Brasil é o único país do mundo que tem, na verdade, quatro instâncias recursais. O STF funciona como quarta instância. Precisamos acabar com isso.
Como?
Uma proposta que já fiz, inclusive para o próximo ministro da Justiça, é transformar os recursos especiais (recursos para o STJ) e extraordinários (recursos para o STF) em medidas rescisórias. A decisão transita em julgado e o sujeito entra com recurso que será examinado como ação rescisória (serviria para posteriormente anular a decisão). Se tirássemos o caráter recursal - que suspende a eficácia da decisão e leva toda a matéria para ser discutida nos tribunais superiores - os tribunais decidiriam e o processo transitaria em julgado.
Qual é a consequência disso?
Isso acaba com o uso dos tribunais superiores (STJ e STF) como fator de dilação (demora) do processo. O STF não consegue julgar isso rapidamente. E mais: isso valoriza os tribunais locais. O que eles decidirem, está decidido. Acaba com o assunto.
O senhor vai encampar essa proposta?
Vou propor isso. Ainda vou deixar isso amadurecer na cabeça dos outros. Na minha, isso já está muito assentado.
Por que precisa pensar mais?
Pode escrever que isso terá a resistência dos advogados. Pode ter certeza.
Que avaliação o senhor faz de seu primeiro ano na presidência?
Foi um ano muito bom tanto para o STF quanto para o Conselho Nacional de Justiça. O mais importante: acho que nós conseguimos, no Rio de Janeiro, uma coisa inédita, um momento importantíssimo do ponto de vista da história do Judiciário brasileiro e do sistema de segurança, que foi o acordo que nos permitiu colocar órgãos jurisdicionais (como juízes, defensoria pública e Ministério Público) e extrajudiciais (como cartórios) nas Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs).
Mas isso vai para todas as UPPs?
Todas. A UPP vai passar a ser um centro que reunirá a polícia militar, a polícia civil, o apoio das Forças Armadas, e terá mais a presença do Judiciário. Se der certo, considero a coisa mais importante que o Judiciário fez no Brasil nos últimos 20 a 30 anos. Isso para mim já seria suficiente.
O STF ficou mal por não ter decidido o destino da Lei da Ficha Limpa?
Não acho que fique mal. Foi inevitável. A lei foi aprovada às vésperas da eleição. Ela provocou processos às vésperas da eleição e esses processos ainda não chegaram todos ao STF. O Supremo não pode fazer nada.
Por que o senhor não quis desempatar o julgamento?
Não quis usar o voto de qualidade (de desempate) porque os mesmos ministros que aprovaram a emenda regimental me dando esse poder, como estavam muito apaixonados, não queriam que eu usasse. Eu ia ter que impor uma decisão e isso realmente parecia um ato de despotismo.
O Brasil foi condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos por não ter punido responsáveis por mortes na Guerrilha do Araguaia. Para o STF, os crimes estão anistiados. Como o senhor avalia isso?
Há algumas coisas que são indiscutíveis. Primeiro: a Corte Interamericana não é instância revisora do STF. Eles não têm competência nem função de rever as decisões do STF. Nossa decisão no plano interno continua tão válida quanto antes. Morreu o assunto.
Como compatibilizar as decisões?
Se o presidente da República resolver indenizar as famílias (de mortos durante a Guerrilha do Araguaia), não há problema. Mas se abrirem um processo contra qualquer um que o STF considerou anistiado, o tribunal mata o processo na hora.
O que está por trás da decisão?
Há interesses ideológicos. Cada país tem sua cultura e sua maneira de acertar as contas com o passado. Cada um sabe o que faz. Há muita pressão ideológica e de grupos pequenos. Agora, o que podemos fazer hoje?
Todas as ações, penais e civis, estão prescritas. Alega-se que foram crimes de lesa humanidade e, por isso, imprescritíveis. A nossa Constituição, a partir de 1988, disse que não prescreve. O que ficou para trás está prescrito.
Como o senhor avalia a decisão do STF?
Eu acho que o STF deu uma decisão importante para pacificação da sociedade. Do ponto de vista dos interesses superiores da sociedade, o STF deu uma contribuição importante. As Forças Armadas poderiam se ressentir de certas coisas...
O senhor é favor do fim do foro privilegiado?
Sou a favor da redução do foro. Tem muita gente com foro privilegiado. Podia reduzir um pouco.
O senhor defende o fim das transmissões ao vivo das sessões do STF?
Eu sou adepto. Se dependesse única e exclusivamente de mim, eu tiraria. Mas não é um problema da televisão. Para mim, o sistema é que não é bom. Não porque transmitir é ruim. É porque o sistema dessa discussão pública é ruim, com ou sem TV.
Falta alguém que pacifique o plenário para evitar os bate-bocas?
Não. Falta um sistema que modifique o atual. Isso é produto do sistema. Em lugar nenhum do mundo, exceto no Brasil, no México e em alguns cantões da Suíça, a corte constitucional delibera em público.
Por que não é bom?
A deliberação em público, como ocorre no STF, não permite que a sociedade capte o pensamento da Corte como órgão unitário. Há pensamentos isolados. Segundo: o fato de estar exposto ao público e a câmeras de televisão altera natural e inapelavelmente o modo de ser das pessoas. Ninguém canta em público como canta quando está sozinho no chuveiro em casa.
Como é isso?
Eu sei que estou em público, meu comportamento muda. Se estou sendo julgado pelo público, se estou exposto, eu me altero. É da condição humana.
Não é melhor julgar em público?
Não acrescenta nada. Isso distorce. Nenhum ser humano é capaz de ser pura racionalidade e frieza. Exigir isso do STF é uma aberração. É impossível nesse sistema imaginar que alguém consiga pacificar.
Essa forma de julgar privilegia a transparência e a publicidade. Transparência é bom?
É ótimo. Publicidade é bom? É ótimo. Ao contrário, em termos absolutos, não. Nosso problema não é a publicidade, mas o excesso de publicidade.

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