*Fonte: ConJur.
O presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, em entrevista concedida ao programa “Roda Viva” da TV Cultura, afirmou, em termos candentes, a sua determinação em contribuir para a extinção do Exame de Ordem.
Devido à notoriedade que o entrevistado adquiriu nos últimos meses, fustigando a presidente Dilma em sucessivos pronunciamentos, tudo faz crer que Eduardo Cunha será, doravante, o corifeu daqueles que pretendem acabar com o Exame de Ordem.
Assinale-se que o autor dessa proposição é o terceiro na hierarquia constitucional a ocupar a Presidência da República.
O Congresso Nacional, por inspiração do anteprojeto de lei elaborado pela OAB, aprovou a Lei 8.906 de 4 de julho 1994, denominada de “Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil”. Com isto, ficou revogado o art. 53 da Lei 4.215 de 1963, que somente impunha o Exame de Ordem aos que “não tenham feito o estágio profissional ou não tenham comprovado satisfatoriamente o seu exercício e resultado” (art. 53).
Valendo-se desta alternativa, a maioria dos candidatos optava pela porta larga do estágio, que era um arremedo de apuração da qualificação. Isto ocorria mediante simples apresentação de “pastas” de pretensos trabalhos acadêmicos, de imprecisa e duvidosa autoria.
A aferição do estágio, perante a banca integrada por professores da faculdade que o aluno cursava, além de representante da OAB, importava sempre na aprovação do candidato, que era submetido a indagações superficiais e de fácil resposta.
Isto só deixou de ocorrer após a edição da mencionada Lei 8.906, regulamentada através de Provimento do Conselho Federal da OAB, prescrevendo a realização do exame até três vezes por ano, em calendário fixado pelos Conselhos Seccionais.
Ao contrário do que alegam os adversários do Exame de Ordem, não houve de parte do legislador a intenção de transformá-lo num “vestibular de final de curso” para ingresso nos quadros da OAB. Não se trata de mensurar o acúmulo de conhecimentos jurídicos e, sim, como aplicá-los na prática diante de cada caso concreto.
Uma das restrições que o deputado Eduardo Cunha faz ao Exame de Ordem é de que este não é exigido em outras profissões, para que possam ser desempenhadas. Trata-se de uma balela. Basta lembrar que o Conselho Federal de Medicina, diante de fatos comprometedores da seriedade da profissão, chegou a questionar a conveniência de “Exame de Ordem para Médicos”, valendo-se da experiência obtida pela OAB.
A exemplo do que ocorre nos Estados Unidos, Alemanha, França, Inglaterra, Suíça, Japão e Áustria, o Exame de Ordem é o filtro seletivo dos graduados em Direito. Na maior parte das nações civilizadas, é uma regra normal de habilitação profissional, tendo por escopo uma melhor e maior garantia de seu exercício.
Num país onde o número de Faculdades de Direito é superior ao existente em todo mundo, nada há de extravagante neste requisito, ao contrário do que afirmou Eduardo Cunha, em decorrência do pouco conhecimento que tem do tema, como radialista e economista que sempre foi.
A Constituição não contempla a liberdade absoluta: exige o requisito da qualificação, ou seja, não tutela o profissional desqualificado que colocará em risco a liberdade, a segurança e o patrocínio das pessoas cujos interesses sustente (art. 5º, inc. XIII).
O art. 22, XVI da Lei Maior outorga competência privativa à União para legislar “sobre condições para exercício de profissões”. Daí a inserção na mencionada Lei 8.906/94 da exigência da “aprovação em Exame de Ordem”, imposta aos bacharéis de Direito que pretendam integrar os quadros da OAB.
Ao contrário do que preconiza o deputado fluminense, os Tribunais Superiores, ainda no regime da antiga Lei 4.215/63, oriunda de projeto vindo da OAB, burilado no Congresso pelos juristas Milton Campos e Aloysio de Carvalho Filho, chancelaram a constitucionalidade do Exame de Ordem.
O antigo Tribunal Federal de Recurso concluiu que a condição imposta não feria o livre exercício profissional, que estará sempre na dependência das condições de capacidade previstas em lei (Ag. MS n. 6.979, TFR).
Em 26/10/2011, no RE 603.583, da relatoria do ministro Marco Aurélio, o STF em decisão unânime, assegurou a realização do Exame de Ordem, em decorrência da norma constitucional que proclamou o advogado como sendo “indispensável à administração da justiça” (art. 133).
Em face do risco que representa a eliminação do Exame de Ordem, torna-se necessário uma soma de esforços, imediata e efetiva, para conter a audaciosa iniciativa do Presidente da Câmara dos Deputados.
A tentativa de suprimir o teste de qualificação importa em condescender com uma advocacia praticada por incompetentes, incapazes de analisar e solucionar os problemas que são trazidos por seus clientes, por carecerem do domínio dos princípios fundamentais do Direito na sua aplicação.
Trata-se não somente de um atentado à comunidade jurídica, mas ao direito de todos os cidadãos, cuja defesa deverá ser realizada somente por aqueles que estejam em condições de desempenhá-la, não comportando a banalização defendida por Eduardo Cunha.
Aristoteles Atheniense