Hely Lopes Meirelles, ao lecionar a respeito do Mandado de Segurança, instituto este genuinamente brasileiro, afirma: “é o meio constitucional posto à disposição de toda pessoa física ou jurídica, órgão com capacidade processual ou universalidade reconhecida por lei para proteger direito individual, próprio, líquido e certo, não amparado por habeas corpus, lesado ou ameaçado de lesão por qualquer autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça.”
Acerca, Marçal Justen Filho, pontua em sua obra que “o conteúdo do provimento jurisdicional consiste numa determinação a ser obedecida pela autoridade pública”.
Continuemos a análise da questão proposta, a respeito da exigência de caução em liminar e a restrição de direitos por isso causada ao cidadão, especificamente ao art. 7º, III, da Lei nº 12.016/09.
Tal projeto, de autoria do Presidente da República, teve nascedouro em uma portaria conjunta da Advocacia Geral da União, presidida naquele momento pelo atual Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Gilmar Mendes, tendo ainda a participação dos professores Caio Tácito, Arnoldo Wald e Menezes Direito, este último, saudoso jurista indicado em 28 de agosto de 2007 para integrar o Supremo na vaga do ministro Sepúlveda Pertence.
Nossa Carta Magna de 88, entre os direitos e garantias individuais e coletivos, incluiu o Mandado de Segurança entre os núcleos constitucionais intangíveis, as cláusulas pétreas, isto é, aquelas que não permitem alteração para redução de direitos, sendo defeso ao legislador ordinário apequenar seu alcance normativo.
Ademais em seu bojo, observamos ser direito, constitucionalmente instituído e assegurado ao Homem, a adequada tutela jurisdicional, esculpida no art. 5º, XXV: “a lei não excluirá da apreciação do poder judiciário lesão ou ameaça de direito”.
Analisando o exposto, é de se entender que o direito à tutela jurisdicional acima consagrado, assegurado e garantido, não pode ser lesado por norma viciada, ferida de morte.
Para o professor de Direito Constitucional da PUC de São Paulo, Pedro Estevam Serrano, “é um dispositivo absurdamente inconstitucional. Ingressar com o Mandado de Segurança é um direito fundamental e a lei não pode impor restrições onde a Constituição não previu.”
Argumentou-se favoravelmente a esta mutilação do direito, pela ótica de que as tentativas de restringir as liminares, levadas a cabo pelo governo, eram compreensíveis diante do grande número destas, concedidas sem o menor critério técnico.
Ora, restringindo-se a concessão de liminares restringiu-se o direito, o acesso do cidadão, e data máxima venia, ao alegar a falta de capacidade técnica para sustentar tal posicionamento, evidenciou-se falta de mira, errou-se o foco, foi como mirar no passarinho e colocar em risco um avião, ofendendo o próprio Estado Democrático de Direito.
Mais dois argumentos, são trazidos à baila para a defesa desta amputação, a uma que a decisão teria certa discricionariedade e a duas que o interesse público se sobrepõe ao privado.
Com o devido respeito, equivocam-se a meu ver.
Àquele que elenca a falta de técnica na concessão das liminares, não é plausível que enxergue capacidade para que se atue discricionariamente, para escolher, decidir. Pior ainda é a alegada supremacia do interesse público sobre o privado, visto que não enxergo aqui interesse público se não interesse estatal, com seu braço e argumentos próprios de regimes ditatoriais, entregando-se ao risco do poder discricionário e tirano do julgador, ditador.
É patente a restrição ao uso desse instituto, como dito, assegurado constitucionalmente como forma de resguardar o direito líquido e certo, aos financeiramente incapazes, excluindo grande parte dos cidadãos.
O Doutor em Direito Processual Civil pela USP José Marcelo Vigliar é taxativo quando afirma: “exigir caução para a concessão de liminar fere a alma do Mandado de Segurança e ainda afasta as pessoas pobres desse instrumento processual.”
Cabe ainda expor a visão de Gustavo Justino de Oliveira, professor de Direito Administrativo da Faculdade de Direito da USP: “nós sabemos que muita gente entra com o Mandado de Segurança sabendo que não tem razão. Mas nesses casos, o CPC – Código de Processo Civil – e a própria lei já estabelecem sanções de ordem processual, como o indeferimento sumário da petição inicial”. Por fim, conclui que “isso cria uma espécie de condição objetiva para o prosseguimento do Mandado de Segurança que não está de acordo com o texto constitucional.”
Destarte, ancoro meu entendimento àquele pontualmente defendido pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, que discute, via a ADIN nº 4296 o tema. Ou seja, a restrição não só é uma nefasta e tangível realidade, como também há de ser declarado inconstitucional o art. 7º, III, da Lei 12.016/09 que passou malfadadamente a exigir a caução.
Carlos Rafael Ferreira
Pós Graduando em Direito Público pela Universidade Anhanguera
UNIDERP / LFG / Dominium