*Fonte: Consultor Jurídico.
Por Allan Titonelli Nunes e Hugo Mendes Plutarco
Muito se tem falado recentemente sobre a necessidade, a legalidade e a constitucionalidade do Exame de Ordem. A questão chegou ao Supremo Tribunal Federal, onde, por meio do Recurso Extraordinário 603583, sob relatoria do ministro Marco Aurélio, se discute a constitucionalidade do Estatuto da OAB (Lei n.º 8.906/94) e a possibilidade de inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil sem a devida aprovação no referido exame.
O advogado é indispensável à administração da Justiça[1], e a advocacia é uma função essencial[2]. Assim reza a Constituição Federal, que também afirma o império das leis e especificamente o seu papel na regulamentação do exercício profissional. Não é outro o conteúdo do inciso XIII do artigo 5.º da Constituição, que afirma categoricamente que o livre exercício profissional está submetido às qualificações que a lei estabelecer.
No caso da advocacia, a lei é o Estatuto da OAB, que, ao lado do exame, prevê a necessidade do diploma universitário e a comprovação de idoneidade, capacidade e regularidade do candidato na forma lá descrita, além de proibir o exercício de atividade incompatível com a advocacia. Ou seja, a Constituição determina que o livre exercício da profissão está adstrito aos requisitos legais, e a lei prevê várias exigências para a inscrição como advogado, sendo a aprovação no exame apenas uma delas.
O reconhecimento do papel do advogado como figura indispensável, a quem cabe importante múnus público na garantia de direitos individuais e coletivos, é fundamental para a construção e o fortalecimento do Estado Democrático de Direito. Nas célebres palavras de Rui Barbosa: “O advogado pouco vale nos tempos calmos; o seu grande papel é quando precisa arrostar o poder dos déspotas, apresentando perante os tribunais o caráter supremo dos povos livres[3]”.
Assim, lutar pelos valores da advocacia é, antes de tudo, lutar pela credibilidade e pela dignidade da profissão de advogado, o que melhor não se faz do que reconhecendo as especificidades, a missão destacada e o tratamento constitucional diferenciado conferido à advocacia brasileira e, consequentemente, à sua maior representante, a Ordem dos Advogados do Brasil.
Para colaborar para o desenvolvimento da justiça, a adoção de medidas concretas para a preservação de suas funções essenciais é fundamental. Mormente a advocacia, gênero cuja especialização na defesa dos entes federativos, na defesa dos necessitados, bem como naquela praticada na postulação e na consultoria jurídica em geral, é representada na estrutura constitucional, respectivamente, pela Advocacia Pública, pela Defensoria Pública e pela advocacia strito sensu.
No ramo estatal, por exemplo, as carreiras da Advocacia Pública Federal, responsáveis pela representação judicial e pela consultoria jurídica no âmbito da União, suas autarquias e fundações públicas, são integradas por Advogados altamente especializados, aprovados em concurso de prova e títulos e devidamente inscritos nos quadros da OAB.
Nesse contexto, causa estranheza e até mesmo alguma perplexidade que o reconhecimento da indispensabilidade e da dignidade da missão dos advogados, já tão decantadas nas grandes democracias, seja acompanhado aqui entre nós de questionamentos no que tange à aferição de conhecimentos básicos para exercício da profissão. Se a advocacia é função essencial à Justiça, e esta, fundamental para a garantia do Estado de Direito, e assim o diz a Constituição Federal, então é certo que deve prevalecer o cotejo da formação acadêmica (muitas vezes deficitária) com as exigências reais da profissão, ali aferidas em grau mínimo pelo exame da OAB.
A questão diz respeito à credibilidade, à dignidade e à importância do papel constitucional destinado à profissão de advogado, envolvendo a interpretação do tratamento diferenciado conferido à advocacia. Tal diferenciação se consubstancia na existência de Lei com exigências específicas, entre as quais o exame, o que não ocorre, até o momento, com outras profissões regulamentadas, embora em muitos casos já haja discussão avançada sobre a necessidade de testes de suficiência.
Ademais, são muitos os argumentos que apontam para a razoabilidade desse exame, dos quais dois se destacam: (i) o grande número de faculdades de Direito no país sem a devida estrutura; e (ii) o altíssimo percentual de reprovação no próprio exame, o que demonstra uma preparação deficiente em grande parte dos cursos superiores.
Mais a mais, a exigência do Exame de Ordem para o exercício da advocacia não impossibilita o livre exercício do ofício de bacharel em Direito, título conferido ao estudante que conclui o curso de Direito. O bacharel em Direito não está, por exemplo, impossibilitado de ministrar aulas ou de concorrer a diversos cargos públicos de nível superior. Estará, é bem verdade, impossibilitado de exercer a advocacia, enquanto não cumpridos os preceitos constitucionais e legais.
Acabar com o Exame de Ordem em nada interessa à sociedade ou à administração da Justiça. O Exame de Ordem protege a sociedade, e é plena a convicção de que sua extinção ou a declaração de sua inexigibilidade como requisito para o ingresso nos quadros da OAB apresentam risco concreto de aviltamento técnico e profissional da advocacia, em prejuízo de toda a sociedade.
[1] Art. 133 da Constituição Federal de 1988.
[2] Seção III do Capítulo IV da Constituição Federal de 1988.
[3] Obras Completas de Rui Barbosa. V. 20, t. 5, 1893. p. 279.
Allan Titonelli Nunes é procurador da Fazenda Nacional e presidente do Forvm Nacional da Advocacia Pública Federal.
Hugo Mendes Plutarco é advogado em Brasília e Consultor Legislativo da Câmara Legislativa do Distrito Federal
Revista Consultor Jurídico, 17 de setembro de 2011