terça-feira, 15 de junho de 2021

XXXII Exame de Ordem OAB/FGV | SUPREMO: Recurso Direito Penal (1 Questão)

DIREITO PENAL – PROFESSOR FRANCISCO MENEZES
O XXXII Exame da OAB, organizado pela FGV, apresentou a seguinte questão.
“Francisco foi vítima de uma contravenção penal de vias de fato, pois, enquanto estava de costas para o autor, recebeu um tapa em sua cabeça. Acreditando que a infração teria sido praticada por Roberto, seu desafeto que estava no local, compareceu em sede policial e narrou o ocorrido, apontando, de maneira precipitada, o rival como autor. Diante disso, foi instaurado procedimento investigatório em desfavor de Roberto, sendo, posteriormente, verificado em câmeras de segurança que, na verdade, um desconhecido teria praticado o ato. Ao tomar conhecimento dos fatos, antes mesmo de ouvir Roberto ou Francisco, o Ministério Público ofereceu denúncia em face deste, por denunciação caluniosa. Considerando apenas as informações expostas, você, como advogado(a) de Francisco, deverá, sob o ponto de vista técnico, pleitear
A) a absolvição, pois Francisco deu causa à instauração de investigação policial imputando a Roberto a prática de contravenção, e não crime.
B) extinção da punibilidade diante da ausência de representação, já que o crime é de ação penal pública condicionada à representação.
C) reconhecimento de causa de diminuição de pena em razão da tentativa, pois não foi proposta ação penal em face de Roberto.
D) a absolvição, pois o tipo penal exige dolo direto por parte do agente”.

O gabarito oficial apontou a letra D como a resposta, porém, não há alternativa correta. No caso narrado, Francisco deu causa a procedimento investigatório através da imputação falsa de contravenção penal o que, em tese, tipifica o crime de denunciação caluniosa do art. 339, § 1º do Código Penal. Ocorre que o agente pressupunha, ainda que erroneamente, a veracidade da autoria de sua imputação e, por isso, incorreu em erro de tipo, aplicando-se o art. 20 do Código Penal. Com a exclusão do dolo, a absolvição por ausência de tipicidade subjetiva deveria ser a resposta oficial.
Contudo, o gabarito fundamenta a devida sentença absolutória no fato de que, supostamente, o crime do art. 339 somente aceita a figura do dolo direto. Esta afirmação, todavia, está longe de ser um consenso doutrinário. Isto porque uma parte considerável da doutrina admite o dolo eventual para este delito nos casos em que o agente, sabendo da falsidade da imputação, narra o fato a terceiro, assumindo o risco que este ofereça a notícia crime aos órgãos encarregados da persecução penal, dando causa a instauração dos procedimentos que perfazem as elementares do tipo penal de denunciação caluniosa.
Dentre os doutrinadores que assim pensam, destaca-se Cézar Roberto Bitencourt.
A despeito de o agente saber que o imputado é inocente, mesmo sem querer efetivamente, pode assumir o risco de dar causa à instauração de qualquer dos procedimentos referidos do tipo penal em exame. A eventualidade do dolo não está na ciência da inocência do imputado, que existe, mas no dar causa à instauração do procedimento contido na lei (BITENCOURT, Cézar Roberto. Tratado de direito penal: parte especial. Volume 5. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 310-311).
Não é outra a opinião de Rogério Sanches Cunha.
Entendemos perfeitamente possível o dolo eventual, especialmente no caso de o agente imputar a determinada pessoa, que sabe inocente, a prática de um crime, narrando para um terceiro a notícia mentirosa e assumindo o risco deste transmiti-la à autoridade policial, culminando na instauração do inquérito (CUNHA, Rogério Sanches. Manual de direito penal: parte especial. 11. ed. Salvador: Juspodivm, 2019, p. 963).
Assim, a alternativa “D” também erra ao afirmar que a absolvição do agente, no caso narrado, se fundamenta na exigência de dolo direto para o crime da denunciação caluniosa, pois, conforme a opinião de respeitável doutrina, o delito em questão também aceita o dolo eventual. A absolvição, no contexto da questão, se deve ao erro de tipo, uma vez que, insiste-se, a norma incriminadora aceita modalidades de tipicidade subjetiva diferentes do dolo direto.
Isto posto, não há alternativa correta, não restando opções a não ser a anulação da presente questão.

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