*Fonte: Última Instância / Por Darlan Barroso e Brunno Pandori Giancoli.
A prova de 2ª fase de Civil do XIV Exame de Ordem surpreendeu a todos em relação ao conteúdo. Depois de uma sequência de petições iniciais, a banca inovou e demandou do candidato a elaboração de um recurso, inclusive um dos mais populares entre os processualistas civis.
O problema narrava a existência de uma ação de despejo por falta de pagamento, tendo como último ato processual a concessão de uma “liminar”, inaudita altera partes, para a desocupação do imóvel no prazo de 72 horas, sob pena de multa diária no valor de R$ 2.000,00. Assim, afirmava o problema que o candidato, na qualidade de advogado do réu locatário, deveria interpor o curso adequado, excluídos os embargos declaratórios.
De fato, o enunciado foi claro e objetivo, sem margem para confusão do candidato.
O problema continha um ato judicial, com natureza de decisão interlocutória e, portanto, o recurso cabível era o de agravo de instrumento, sem margem para discussão de outras peças processuais. Nesse caso, o agravo deveria estar fundamentado no artigo 522 do Código de Processo Civil.
Assim, são pontos importantes da peça:
1) Endereçamento: ao Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (o problema narrava que a decisão foi da 2ª Vara Cível de Juiz de Fora/MG).
2) Preâmbulo: indicação das partes e qualificação completa (devendo ser admitida a mera indicação de qualificação completa…); nome da peça “Agravo de Instrumento” com pedido de “Efeito suspensivo”; fundamentação da peça no artigo 522 do Código de Processo Civil.
3) Narrativa dos fatos (transcrição dos itens relevantes do problema).
4) Cabimento do recurso: como o agravo de instrumento não é regra, o candidato deveria ter formulado um capítulo justificando o cabimento da peça em detrimento do agravo retido. A justificativa para o cabimento do agravo de instrumento é o perigo de lesão grave e de difícil reparação (art. 522 do CPC).
5) Razões para a reforma (teses). A decisão do magistrado estava em desacordo com a lei 8.245/91.
a) Não havia previsão legal para concessão de liminar na ação de despejo. As hipóteses estão previstas no artigo 59, § 1º, da Lei 8.245/91. No caso de despejo por falta de pagamento, apenas poderá ser concedida a liminar, com base no inciso IX, quando o contrato estiver desprovido de qualquer garantia, o que não era o caso, já que o problema dizia expressamente que o locatário havia ofertado fiador idôneo. Portanto, absolutamente indevida a concessão de liminar.
b) No despejo por falta de pagamento é direito do réu evitar a rescisão do contrato e elidir a liminar de desocupação se, no prazo de 15 dias, depositar o valor, como determina o § 3º, do artigo 59 e, consequentemente, não poderia o magistrado ter concedido apenas 72 horas para o cumprimento da medida. No mesmo sentido também está o artigo 62, II, da Lei 8.245/91 que resguardar ao locatário o direito de purgar a mora no prazo da contestação.
c) Desproporcionalidade da astreinte. O padrão afirmou que o candidato deveria ter discutido o excesso na fixação da multa diária, nos termos do artigo 461 do Código de Processo Civil. No entanto, tal discussão é de caráter absolutamente subjetivo e não deve ser considerado com pontuação elevada.
6) Efeito suspensivo (liminar no agravo)
Curiosamente, de forma nada técnica, o padrão afirmou que o candidato deveria ter requerido a “tutela antecipada recursal, a fim de que a decisão recorrida tenha sua eficácia suspensa”, fundamentando a pretensão nos artigos 527, III, e 558 do Código de Processo Civil.
Nesse ponto, merece crítica o padrão de resposta, uma vez que o melhor seria o requerimento de efeito suspensivo, já que a finalidade é obter a paralização da decisão agravada ou impedir que ela produza efeitos (o próprio gabarito afirma isso: “eficácia suspensa”).
De todo modo, a tutela antecipada recursal seria medida mais abrangente e, portanto, também deve ser admitida.
Nesse caso, importante que a banca examinadora aceite como corretas as duas medidas: efeito suspensivo ou tutela antecipada recursal, inclusive fundamentadas no mesmo dispositivo legal.
7) Conclusão e informações – a conclusão do recurso será para demandar:
a) Concessão do efeito (527, III e 558).
b) Conhecimento e provimento do recurso para reformar a decisão agravada no sentido de cassar a liminar concedida.
c) Informações: advogados (524, III); cópias de formação do instrumento (art. 525); preparo (525, § 1º); informação à primeira instância (art. 526).
d) Intimação do agravado para resposta (art. 527, V).
Ainda sob o aspecto formal, o agravo de instrumento é recurso que não exige petição de interposição, uma vez que o órgão de recebimento do recurso é o mesmo dotado de competência para o julgamento.
Outro ponto interessante é que, diante dos elementos do problema, o candidato poderia ter presumido que o locatário estava em situação de pobreza e, consequentemente, ter elaborado requerimento de gratuidade processual (situação em que não juntaria a guia do preparo). O que também deve ser considerado como correto.
De todo modo, essa é uma análise preliminar e não temos como prever como será composto o espelho de correção (com a atribuição de pontos para cada item da peça) e o que será objeto de avaliação. Agora, apenas nos resta esperar a publicação do espelho e da lista.
Em relação às questões a cobrança de dois temas clássicos e duas questões com temáticas mais específicas. A primeira questão versava sobre os efeitos jurídicos do contrato estimatório, especificamente disciplinado no Código Civil nos artigos 534 a 537. O tema chama a atenção, pois trata-se de uma modalidade contratual muito específica. Além disso, as resposta aos pontos formulados pelo examinador exigiam do candidato a compreensão da natureza do negócio e de seus efeitos. Daí porque, as respostas impunham uma interpretação muito mais profunda que a simples identificam dos dispositivos legais pertinentes, fato este que revela um expressivo nível de dificuldade.
A segunda questão tratava especificamente do direito de alimentos. Esta é uma temática clássica da prova de 2ª fase de Civil. As respostas podiam ser facilmente identificadas pelos candidatos, pela interpretação direta do art. 1.698 do Código Civil e das disposições da Lei de Alimentos (Lei 5.478/68). A mesma dinâmica “clássica” também surge na quarta questão ao tratar do direito do consumidor. O tema tratado era esperado pelos candidatos do direito civil, pois a questão versava sobre a problemática da responsabilidade civil nas relações de consumo, em especial o prazo para a propositura para a ação indenizatória na hipótese de acidente de consumo e a abusividade de cláusula contratuais, aspectos disciplinas expressamente nos arts. 27 e 51 do CDC.
Todavia, a terceira questão da prova foi, sem dúvida, a mais inusitada de todas as provas de 2ª fase do Exame da OAB. A questão exigia a aplicação da teoria do adimplemento substancial para impedir a resolução de um contrato de compra e venda. Esta teoria não possui uma base normativa especifica no Código Civil. A temática se sujeita, apenas, aos princípios gerais da função social dos contratos e da boa-fé objetiva. A dúvida atual é a forma de correção desta questão, justamente porque o examinador não trouxe no padrão de resposta nenhum fundamento jurídico específico. Resta, portanto, esperarmos o espelho de correção para compreender como será a avaliação deste ponto.
Darlan Barroso é advogado e mestre. É diretor dos cursos preparatórios para o Exame da OAB e para carreiras públicas no Complexo Damásio de Jesus. Brunno Pandori Giancoli é advogado e doutorando em Direito pela Universidade de São Paulo
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