sábado, 30 de janeiro de 2010

Celso Limongi destaca decisões de sua relatoria na área do Direito Penal

*Fonte: Superior Tribunal de Justiça (STJ).
                    Como ter a certeza de que o autor de um atropelamento assumiu o risco de matar a vítima por ter se comportado de maneira supostamente incorreta ao volante? Essa difícil questão foi enfrentada pela Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) num julgamento ocorrido em agosto do ano passado.
                    Na ocasião, os ministros apreciavam um habeas corpus impetrado em favor de um motorista de São Paulo que respondia a processo por ter atropelado e matado um ciclista no interior do estado.
                    Na ação, a defesa alegava a existência de constrangimento ilegal na decisão da 6ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) que reformara o entendimento do juiz de primeira instância de que o caso deveria ser julgado por um juízo singular e não pelo Tribunal do Júri.
                    A questão, portanto, era saber se o motorista agira culposamente ou com o chamado dolo eventual. Se prevalecesse a compreensão firmada na segunda instância, o réu iria ao Júri, órgão responsável por apreciar e julgar os crimes dolosos contra a vida. Do contrário, seria restabelecida a sentença e o acusado seria julgado por um juiz singular.
                    O habeas corpus foi distribuído ao desembargador Celso Limongi, magistrado convocado para reforçar o quadro de magistrados em razão de vagas não preenchidas no STJ. Coincidentemente, Limongi é egresso do TJSP e integra a Sexta Turma, um dos colegiados responsáveis pela apreciação de questões penais no STJ.
                    Num julgamento apertado e difícil, Limongi votou no sentido de que não existia no caso provas suficientes de que o motorista assumira o risco de atropelar o ciclista, que trafegava no acostamento da pista quando foi atingido pelo veículo. Para o desembargador, não houve evidências de que o réu “desejasse ou mesmo anuísse ao resultado” (morte do ciclista).
                    Ao expressar esse entendimento, Limongi concordou com a tese de que o réu agira culposamente e não dolosamente. Por isso, não poderia ser julgado pelo Tribunal do Júri. Ele votou pelo restabelecimento da decisão da primeira instância e sua posição foi vencedora no julgamento, sendo acolhida por outros dois integrantes da Sexta Turma.
                    Essa ação (HC 126.974 – SP) foi uma das escolhidas pelo desembargador Limongi como uma das mais representativas de sua relatoria julgadas em 2009 pelo STJ. As demais decisões por ele selecionadas têm em comum o fato de serem, quase todas, questões criminais e procurarem inovar na aplicação de institutos de Direito Penal e Processual Penal que ganharam força a partir da Constituição de 88.
Princípio da insignificância em delito trabalhista
                    Exemplo disso é a inovação proposta por ele na aplicação no princípio da insignificância. Esse princípio tem sido acolhido com relativa frequência no STJ em casos nos quais a violação a bens jurídicos protegidos pela legislação, como o patrimônio, é inexpressiva. No entanto, a novidade trazida pelo desembargador foi a adoção do instituto numa hipótese de crime decorrente do descumprimento de obrigação trabalhista.
                    A ação (HC 107.572 – SP) tratava de um empregador que foi denunciado pelo Ministério Público por deixar de anotar o contrato de trabalho na Carteira de um empregado. O crime é previsto no artigo 297, parágrafo 4º, do Código Penal.
                    Após analisar os autos, Limongi constatou que o período de trabalho não anotado em Carteira fora curto, pouco mais de um mês. Também verificou que os valores financeiros envolvidos não eram significativos e que o réu já havia sido condenado pela Justiça trabalhista a registrar o empregado.
                    Com base nessas informações e amparado pela doutrina, ele concluiu pela possibilidade de aplicação do princípio da insignificância ao caso. Em sua avaliação, a denúncia também narraria fato atípico, ou seja, uma conduta do réu que não se enquadraria na proibição descrita no artigo 297, parágrafo 4º, do Código Penal. O voto do desembargador foi acolhido por unanimidade pelos ministros da Sexta Turma e a conclusão do julgamento foi pelo trancamento da ação penal contra o empregador.
Estelionato contra Previdência
                    Em março passado, a Sexta Turma julgou outra ação relatada pelo desembargador Limongi (HC 121.336 – SP) que desencadeou uma interessante discussão sobre estelionato contra a Previdência, crime elencado no artigo 171, parágrafo 3º, do Código Penal.
                    A questão a ser julgada passava pela definição da natureza do delito: se ele era um crime permanente ou crime instantâneo de efeitos permanentes. Essa definição tinha relevância porque definiria o futuro da ré do processo. Se a decisão fosse num determinado sentido, a acusada não seria mais processada porque estaria extinta a chamada pretensão punitiva, ou seja, o direito de o Estado acioná-la criminalmente pelo esgotamento do prazo previsto em lei para tal medida.
                    No voto apresentado em julgamento o desembargador detalhou a diferença entre o crime permanente e o delito instantâneo de efeitos permanentes. O primeiro, explicou, prolonga no tempo sua consumação. É o caso do sequestro: enquanto o sequestrador não liberta a vítima, o delito está sendo consumado. No segundo, diferentemente, não há o prolongamento da consumação. O crime consuma-se instantaneamente, mas seus efeitos se estendem no tempo.
                    Amparado nesse raciocínio, Limongi propôs uma guinada na jurisprudência do STJ sobre o tema, votando no sentido de que o estelionato contra a Previdência Social seria crime instantâneo de efeitos permanentes.
                    A ação julgada tratava de uma mulher de São Paulo que, usando documentação falsa, recebera, entre 1983 e 1997, auxílio-doença da Previdência Social. Para o desembargador, por se tratar de um delito instantâneo de efeitos permanentes, o estelionato praticado por ela se consumara em 1983, ano em que ela recebeu pela primeira vez o benefício indevido. Nesse sentido, concluiu que o ano de 1983 era o marco inicial para contagem do tempo relativo à pretensão punitiva.
                    Por unanimidade, os ministros da Sexta Turma concordaram com a fundamentação desenvolvida por Limongi e concederam o habeas corpus, declarando extinta a punibilidade contra a ré em razão da prescrição do crime.
Crime hediondo e violência presumida
                    Outro julgamento relatado em 2009 pelo desembargador decidiu pelo caráter não hediondo dos crimes de estupro e atentado violento ao pudor, em sua forma simples, por violência presumida. O caso ganhou relevância porque unificou o entendimento da Sexta Turma em torno da tese jurídica.
                    A presunção de violência era prevista no artigo 224, alínea "a", do Código Penal. O dispositivo enunciava que a que a violência era presumida nas hipóteses em que a vítima era menor de 14 anos. Esse artigo foi revogado pela Lei n. 12.015/ 2009, que trouxe inovações sobre questões relativas aos crimes contra a dignidade sexual.
                    O julgamento em questão envolvia um recurso (Resp 1.103.032 – RJ) interposto pelo Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ), que pretendia o reconhecimento da hediondez do atentado violento ao pudor praticado por um cidadão maior de idade contra um adolescente.
                    Votando pelo desprovimento do recurso, o desembargador Limongi sustentou em seu relatório que a Lei de Crimes Hediondos (n. 8.072/90) não contemplava esse tipo de delito, ou seja, atentado violento ao pudor em sua forma simples. “Leia-se a lei e ali encontraremos como crimes sexuais hediondos tão-só o estupro e o atentado violento ao pudor, nas formas qualificadas”, argumentou o magistrado à época.
                    Para Limongi, para enquadrar-se como crime hediondo o atentado violento ao pudor dependeria da superveniência de morte ou de lesões corporais de natureza grave na vítima, o que não teria ocorrido no caso sob apreciação. “Não havendo previsão legal expressa de que estupro e atentado violento ao pudor, por violência ficta, se qualifiquem como delitos hediondos, meu voto é pelo não provimento do recurso especial”, concluiu.
                    O voto apresentado por Limongi foi acompanhado por unanimidade pelos ministros da Sexta Turma. Em suas razões de decidir, o relator chamou a atenção para o fato de que a tese dividia opiniões, com pontos de vista diferentes na doutrina e na jurisprudência. De fato, ela deverá ser objeto de novas discussões no STJ, sobretudo porque a Lei n. 12.015, promulgada em agosto de 2009, modificou o texto legal, incluindo expressamente o estupro simples como crime hediondo.

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