“Uma paisagem em ordem. É isso o que queremos. Pedimos ao direito um pouco de ordem para nos proteger da desordem”.
Mireille Delmas-Marty
Qual é o valor de uma vida? Dias atrás, ainda entre escombros, o trágico vôo 3054 já levantava este questionamento.
Para muitos doutrinadores e estudiosos do instituto da responsabilidade civil, a reparação do dano moral tem como objetivo, entre outros, a compensação da vítima. Desse ponto de vista, a dor e a pecúnia são reduzidas a um denominador comum. É como unir a água e o óleo.
Insinuar que a dor da vítima possa ser compensada com dinheiro é, no mínimo, repugnante, imoral. A ninguém é dado saber o quanto o próximo sofreu. A dor não tem preço certo nem método de aferição. Se este fosse o objetivo da compensação por dano moral, não poderíamos questionar o valor imposto pela vítima, afinal ela é a única conhecedora do real dano.
Para o Código Civil, em seu artigo 927, a indenização tem como função a reparação do dano causado por ato ilícito, sem qualquer menção à compensação à vítima. Para que isto fosse possível, deveríamos não só compensá-la, como também vingá-la, visto que esta é inerente àquela, se considerarmos a real dor do lesado. É natural a vítima possuir o desejo de vingança, mas aceitá-lo seria ilegal, pois não há como fixarmos o quantum punitivo, sob o risco de criar uma pena civil sem prévia cominação legal. Por esta razão, devemos apenas desestimular o ofensor.
Puni-lo seria tão injusto quanto não indenizar. Há plena impropriedade no critério da compensação da vítima como objeto chave. Diante disso, por que indenizar?
De acordo com o dicionário, indenizar significa compensar, equilibrar.
Não há como pensar neste último vocábulo sem vinculá-lo ao símbolo que representa a justiça. A balança equilibrada, nada mais é, do que a paz social.
"O justo é o proporcional", disse Aristóteles. Dois pesos, duas medidas.
Utilizá-la como símbolo da isonomia é reduzir a nossa função social, como juristas, apenas à busca de um dos princípios fundamentais da conquista da paz social. A igualdade é indispensável, mas não é a razão da existência do direito.
Então o que é a justiça, senão o reconhecido equilíbrio. A sociedade está em paz quando este impera. Havendo desequilíbrio, seu retorno é clamado. Esta é a nossa nobre função: o reequilíbrio social.
A justiça é inerente ao homem. É instintiva. A sociedade sempre buscou o equilíbrio. Isos, em grego. Olho por olho, dente por dente. Se a balança pende para um lado, a paz social é prejudicada.
Para Sérgio Cavalieri, "O conflito gera o litígio e este, por sua vez, quebra o equilíbrio e a paz social. Surgindo o conflito, há que solucioná-lo. A sociedade reclama que as coisas sejam repostas num ponto de equilíbrio em que possam permanecer".
Este azedume que sentimos ao ler uma notícia sobre o desproporcional demonstra o desequilíbrio como elemento ofensivo à paz social. Quando uma vítima é indenizada, obtém-se a compensação social. O desequilíbrio causado ao bem geral foi sanado.
Se a compensação fosse pessoal, não haveria razão para diferenciarmos quantias. Não há mal injusto que mereça menosprezo.
Isso explica por que um presidiário, morto em uma rebelião por negligência estatal, não tem direito ao mesmo valor pago à vítima assassinada em uma operação policial imprudente. O poder econômico do ofensor - nas duas hipóteses, o Estado, é idêntico. Ambas as vidas são tuteladas pela Constituição. O zelo à vida do preso é tão importante quanto o de qualquer outra pessoa. Para as famílias, a perda é de igual proporção. Para a sociedade, não.
Deste modo, respiro aliviado quando uma indenização não causa à sociedade a sensação de desconforto, pois sei que a balança está novamente emparelhada. Nada é mais perturbador que o desequilíbrio.
Leonardo Castro, advogado.
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