segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Entrevista com Luís Cláudio Chaves: "O mensalão já mudou o Brasil"

*Fonte: Jornal Estado de Minas.
Luis Cláudio Chaves, candidato à reeleição da presidência da OAB-MG, fala sobre o mensalão e defende mudanças no Judiciário



Em meio ao caso de maior repercussão da história do Judiciário brasileiro, uma dúvida persiste: o mensalão será uma ação isolada ou é o pontapé de uma mudança estrutural nos tribunais do país? O fato de o processo ter entrado em pauta antes de as penas prescreverem é um alento e, nos bastidores, os primeiros réus condenados se movimentam ao saber que inevitavelmente ficarão pelo menos uns meses atrás das grades. Na política, o esvaziamento dos caixas de campanha é notável, com empresas tendo maior precaução na hora de fazer doações para não vincular o nome a candidatos corruptos. Na avaliação do presidente da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Minas Gerais (OAB-MG), Luis Cláudio Chaves, as mudanças no meio jurídico devem ser ainda mais significativas, com casos de colarinho branco sendo analisados por tribunais de Justiça de todo o país.

Nesta entrevista, o advogado afirma que o Supremo Tribunal Federal (STF) deve cuidar tão somente do que chama de “grandes questões nacionais”, como o aborto de anencéfalos e a concessão de cotas raciais nas universidades. Para Chaves, o mensalão se tornou uma causa importante por estar o país acostumado à impunidade em casos semelhantes, mas casos semelhantes devem se tornar corriqueiros, o que impede que o STF julgue todos. Em contrapartida, teme que os réus sejam “bodes expiatórios”, recebendo penas desproporcionais por se tratar da primeira ação, como tem acontecido com os casos de embriaguez ao volante.

Mas ele não se atém somente ao mensalão e aborda ainda a polêmica em relação à renegociação da dívida pública dos estados; e a atuação da ministra Eliana Calmon à frente do Conselho Nacional de Justiça, a quem o presidente da OAB-MG chama de “corajosa” e afirma que sob seu comando o Poder Judiciário teve as maiores conquistas desde a promulgação da Constituição de 1988.

Estamos diante do mais significativo julgamento de colarinho branco da história do país. Quais efeitos práticos o senhor consegue vislumbrar a partir da ação penal?
O Supremo está assumindo a responsabilidade de julgar demandas importantes para a nação. O mensalão é apenas uma delas. Posso me referir aqui ao sistema de cotas em universidades, ao aborto de fetos anencéfalos. São decisões importantes do Supremo com reflexo na sociedade civil. É lógico que o Supremo, como corte maior do país, tem responsabilidade de, julgando, levar em consideração a interpretação constitucional máxima. Então, quando ele julga a união socioafetiva, por mais que tenha crítica da opinião pública, é preciso julgar com independência e autonomia, porque o Estado é laico. E não podemos aceitar a pressão da Igreja na hora de julgar uma questão que é tão importante para a sociedade organizada. É lógico que a decisão do Supremo nunca vai agradar a todos. Mas, se realmente for feita com base na Constituição Federal, a repercussão será importante.



Na sua opinião, o mensalão vai mudar o país?
Não, ele não vai; o mensalão já mudou o Brasil. Não vou dizer que ele não é importante, mas, enquanto ele está sendo julgado, não se está discutindo lá a renegociação da dívida pública dos estados, que indiretamente vem deixando os estados de pires nas mãos, sem investimento na área social, o que pode ser muito mais importante para a nação que o julgamento. Ou seja, o mensalão se tornou muito emblemático para a sociedade, não pelo seu julgamento em si, que deveria ser um caso absolutamente normal para a sociedade, pois se fez alguma coisa errada, tem que ser punido. Tornou-se emblemático exatamente porque ninguém do colarinho branco ou do alto escalão do governo foi punido até hoje no Brasil. Não vejo como o Brasil pode perder tanto tempo para julgar uma causa que é criminal. O Supremo Tribunal Federal é para julgar as grandes causas nacionais. O mensalão se tornou uma grande questão nacional porque o país está habituado à impunidade. Então tem os holofotes da sociedade. O dia em que realmente tivermos a Justiça operando de forma célere, a sociedade não vai cobrar do Supremo o julgamento de uma ação criminal. Ela vai cobrar o julgamento das grandes questões nacionais.

Casos semelhantes podem ser julgados pelos tribunais de Justiça de forma mais rápida?
Acredito que vai ser um precedente importante para a nação. Mas temo, por ser o primeiro, que os réus possam ser os bodes expiatórios dessa questão. É a mesma coisa, por exemplo, quando se julga o primeiro a bater o carro, a matar alguém. Vou até tirar o caso do mensalão. Eu sou favorável a que a pessoa que bateu o carro alcoolizada responda por dolo eventual. Eu, Luis Cláudio, sou favorável. O primeiro que for condenado assim vai sair nas páginas principais dos jornais, mas deveria ser uma coisa comum. Ou seja, alguém bebeu e assumiu o risco de matar alguém, bateu o carro e matou alguém, já responde a um processo no tribunal do júri. Então, voltando ao mensalão, como é o primeiro caso, evidentemente terá todas as manchetes dos jornais, como está ocorrendo.


Até que ponto o julgamento do mensalão é técnico e até que ponto é meramente político?
Não posso tecer comentários sobre o conteúdo do julgamento porque eu não participei como advogado e não conheço os autos. Então, não sei se a interpretação do magistrado é correta ou não. O que posso dizer é que existe um agravo de responsabilidade dos ministros do Supremo, de fazer uma decisão fundamentada no que está nos autos. O juiz não pode julgar pela opinião pública, pelo receio de desagradar a quem quer que seja. Por isso, o juiz tem algumas prerrogativas profissionais, como a vitaliciedade, exatamente para permitir a ele total independência, até em relação a quem o nomeou, que é o próprio presidente da República.


O senhor acredita que o julgamento pode influenciar as eleições municipais?
Já influenciou. E a influência é na captação de recursos para a campanha eleitoral. As campanhas eleitorais estão esvaziadas de recursos financeiros, mas acho que essa primeira influência notável é positiva. Por isso, aquelas empresas que financiavam muitas campanhas eleitorais estão pensando 10 vezes antes de realmente aportar recursos na campanha de um candidato. Esse candidato tem de ser um ficha-limpa, tem de passar moralidade. Porque a empresa, assim como posso citar a Delta, fica comprometida na sua imagem institucional se estiver vinculada a algum político desonesto. Então esse primeiro impacto já se sente. O segundo, o resultado das urnas é que vai dizer.




Como avalia o serviço da ministra Eliana Calmon à frente da corregedoria do Conselho Nacional de Justiça?
A ministra Eliana Calmon se mostrou corajosa. Contou com apoio irrestrito da Ordem dos Advogados, a quem fez elogio público, porque, quando criticou a ação de alguns magistrados, ela não imaginava que no início fosse sofrer forte retaliação. E a OAB emprestou sua credibilidade às ideias dela, que são de transparência do Poder Judiciário. Essa não é uma cruzada contra os bons juízes, contra a magistratura. O que a OAB pleiteia sempre é que o Poder Judiciário, como um poder que emana do povo, seja transparente, tanto quanto se exige do Legislativo e do Executivo. Acho que foi a grande vitória da sociedade brasileira após a Constituição de 1988, que trouxe direitos individuais e coletivos de primeira geração para o nosso país. Devemos isso à coragem da ministra Eliana Calmon e de todas as entidades, inclusive algumas de magistrados, que se colocaram a favor da transparência do Poder Judiciário.


Qual a visão que a sociedade tem do judiciário hoje? Diante de salários altos, lentidão...
O Judiciário, se for medido pelo custo/benefício – e não posso deixar de ressaltar que temos tribunais extremamente céleres, como é o TRT [Tribunal Regional do Trabalho] da 3ª Região –, tem defeitos estruturais que impedem alguns tribunais de serem céleres, como é a Justiça Federal, que é rápida na primeira instância. Não temos ainda o TRF [Tribunal Regional Federal] em Minas Gerais e a sociedade cobra muito do Poder Judiciário. A causa de cada um é a causa mais importante, que tem de ser julgada imediatamente. A pessoa não quer saber se ali tem uma causa de alimento para ser julgada; não quer saber se ali tem uma causa de responsabilidade civil para ser julgada; se tem um réu preso que precisa de uma medida protetiva. Se a ação dele demora, o grande vilão é o Poder Judiciário. Posso dizer, como advogado, que os magistrados, em sua grande maioria, trabalham muito. Eles estão adoecendo de tanto trabalhar. Um juiz de primeira instância tem sob sua responsabilidade 10 mil, 15 mil processos. Isso é desumano. E, por mais que ele queira concluir julgamentos, não vai conseguir.

O que fazer então?
Precisamos realmente é refletir, através do CNJ, se esse investimento feito no Poder Judiciário, por meio da dotação orçamentária, tem ido para o lugar certo, a estrutura certa, se precisamos de mais dinheiro para o Poder Judiciário. Porque do jeito que está, realmente não funciona. Acho até que o juiz, pelo grande trabalho que tem, ganha aquém do que merece. Mas a sociedade, o José, a Maria, não vão entender se o processo deles não for julgado.


Em artigo recente, o senhor considerou que a demora numa decisão favorável aos estados dificulta “o progresso social”. O que a lentidão da ação no STF pode acarretar?
Temos de repensar o pacto federativo. A União tem um volume de recursos muito grande e os estados ficam com o pires na mão, e os municípios também. Eu diria até que ser prefeito de uma cidade do Brasil virou aventura. Você não vai conseguir dar vazão a todas as reivindicações da sociedade; vai responder processo por impunidade administrativa porque tem de decidir muitas vezes entre educação e saúde. Você não tem como dar educação e saúde. Os municípios pequenos, principalmente nos estados que têm arrecadação reduzida, estão convivendo com uma realidade: ou fica dependente politicamente da União para receber verbas ou administra miséria. E essa miséria se reflete no atendimento que se dá ao povo.




E para Minas, quais podem ser as consequências?
Minas é um dos estados que mais perdeu arrecadação por conta da atividade mineral, que cai quando há uma crise externa. O pagamento da dívida, no patamar que temos hoje, é como se a pessoa já estivesse endividada e o cartão de crédito tomando todos os recursos do seu salário. Então, não tem como você comprar alimentos para o seu filho em casa. É uma comparação muito simples. Esse endividamento precisa ter um limite, sob pena de comprometer realmente os investimentos do estado na área social. Mas quero dizer muito claramente que a OAB não tem atividade partidária. Não estamos do lado de A ou de B. Como presidente da OAB-MG, tenho de defender os interesses do povo mineiro.

O STJ condenou, em maio, um pai ao pagamento de indenização de R$ 200 mil por abandono afetivo. O que acha desse tipo de compensação?
Havendo responsabilidade civil, tem, sim, de haver uma compensação ou uma indenização. Quando houver dano, quando houver nexo de causalidade, tem de indenizar, independentemente de qual é a situação.


O resultado da primeira etapa do último exame da Ordem dos Advogados teve reprovação superior a 50% dos candidatos. O exame é uma avaliação rigorosa ou a qualidade do ensino é que é questionável?
Temos algumas faculdades que aprovam quase 80% dos seus egressos e outras que não aprovam ninguém. Essa responsabilidade não pode ser atribuída à Ordem dos Advogados do Brasil, que faz uma prova para verificar o tirocínio e a capacidade mínima para o exercício de tão importante vocação que é a advocacia. Queremos, sim, demonstrar que o exame é indispensável porque nós, advogados, nos relacionamos com o direito do cidadão à liberdade, ao patrimônio, e permitir que alguém seja defendido por um profissional sem qualificação técnica é entregá-lo à própria sorte. Queremos a advocacia cada vez mais forte e o exame precisa ser aperfeiçoado sempre. Queremos também contribuir para a melhoria da qualidade do ensino jurídico.


Em novembro tem eleição para a presidência da OAB-MG. Qual será seu papel no pleito?
Sou candidato à reeleição porque acho que cumpri todas as propostas da campanha anterior, mas entendo que ainda há muito o que fazer pela valorização da advocacia em Minas Gerais. Queremos uma OAB ainda melhor. Na luta pela prerrogativa do advogado, pelo controle ético-disciplinar, pela expansão das atividades da Escola Superior de Advocacia; e acredito que, depois dessa administração, estaremos ainda mais preparados para implementar tudo aquilo que é necessário para valorizar a advocacia e a cidadania em nosso estado.

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